terça-feira, 24 de abril de 2012

Um ciclo que se fecha

Ao fim de quatro gerações fecha-se a porta da casa onde o meu sogro cresceu,era o mais novo de oito irmãos, hoje com 78 anos é o único ainda vivo.
 Escolhem-se objectos que fizeram parte daquela família e partilham-se; partilham-se sobretudo  histórias ... da garrafa que guardava as sangessugas para tirar os "maus humores "; do pote onde se guardava a banha e do outro onde se aquecia o leite; do frasco do doce e dos " barranhões " onde se temperavam as carnes para as chouriças; do banco onde a sua mãe os amamentava enquanto mexia o almoço na panela de ferro e do buraco que havia no chão da cozinha de onde se atiravam os restos para o porco  lá embaixo na loja ... cada peça, cada canto, cada foto e cada carta contam uma história que nos arranca um sorriso ou até uma gargalhada, mas depois faz-se silêncio e há tristezas húmidas nos nossos olhares, sente-se a presença quente dos que já partiram, quase como se pousassem as suas mãos sobre os nossos ombros e nos sussurrassem com um sorriso " Está tudo bem "...
Fecha-se a porta da casa onde outrora se ouviu o som do roçar dos tachos, dos passos e dos risos; do estalar da lenha e das conversas na lareira; dos ruídos dos animais que aqueciam a casa e dos que voltavam com os homens e mulheres que, já ao lusco fusco, regressavam a casa vindos da lavoura, fazendo ressoar na aldeia o som abafado de vozes, passos e chocalhos dos animais ... fecha-se a porta mas as histórias vêm connosco para as nossas casas ... mais um ciclo que se inicia ...

 
















"às vezes ,a cismar na pena de ter visto tanta coisa que passou e que nunca mais se voltará a repetir, a cismar na pena das pessoas que conheci, a recordar-me de como foram alegres, de como sofreram e de como desapareceram das suas vidas, das suas casas e, depois, da memória de todos aqueles que foram nascendo e vingando e que, hoje, passam pelas ruas da vila, sem conseguirem sequer imaginar que, antes, havia pessoas que tinham as mesmas arrelias, as mesmas ilusões, e que passavam por essas mesmas ruas . "

José Luís Peixoto - Cal

8 comentários:

  1. Que post tão bonito! Adorei...

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  2. obrigada por ter partilhado, a nossa dor é sempre a nossa... mas é bom "relembrar" que não estamos sozinhos nestes ciclos.

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    1. Obrigada Ana. A parte díficil de envelhecermos não é de todo o ficarmos " + velhos " mas sim assistir à partida dos que fizeram parte das nossas vidas, sejam familiares, amigos ou até dos vizinhos que deixam aquele vazio nos nossos corações e nas ruas por onde um dia todos andámos ...

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  3. Tal como foi dito por ti, há um novo ciclo que fecha e outro que se inicia.
    É engraçado dizer isto, mas esse quarto fez lembrar-me do mesmo quarto da minha avó materna, cuja convivência foi tida curtos anos antes da sua partida. O mesmo quarto onde foi feito o seu funeral. Lembro-me do dia em que foram feitas as partilhas dos seus pertences, da discussão que houve por objecto A ser mais adequado a B que o objecto C devia ser jogado fora por estar amararelado, amarrotado, com um pequeno defeito. Se eu soubesse o que sei hoje (na altura tinha 5-6 anos), tinha ficado com tudo o que ninguém queria para si.
    (a memória fotográfica tem estes efeitos em mim - recordo lugares, pessoas, mas não nomes dos mesmos - mas sei indicar o caminho/fisionomia de alguém como se fosse um GPS/detector de faces).

    Beijinhos * E que esses tesouros históricos sejam preservados. (obrigada pela mensagem num dos meus posts)

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    1. trouxe comigo algumas dessas coisas amarelas,rachadas e ferrugentas que ninguém queria ... mais espaço houvesse no carro, e é só isso que eu lamento, não ter mais espaço no carro para trazer o resto ... tanto que ainda lá ficou :(
      mas eu depois mostro os meus tesouros ;)

      Beijinhos para ti :*

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  4. Ó,Kokliko
    E porque fecharam a casa?As memoŕias de uma vida...
    E não pudeste ficar com essa casa?
    Eu tive muita coisa e perdi,mas o que mais me faz chorar ,foi ver a casa da minha familia ,por ninguém querer restaurar...caiu
    Alguns eram a favor de a restaurar aos poucos,mas dois não,queriam vender para tyer dinheiro,como se tivessem pouco
    Ou seja,os mais indinheirados não querim saber da casa
    Os mais simples,eram a favor de a casa ficar para férias.Entre todos arranjava-se e teriamos a casinha dos avós para férias
    Tudo aca
    Por não se resolverem as partilhas caiu a casa ,desapareceu tudo o que lá tinha
    etc
    Por ganancia...
    Se for o teu caso...não desistam dessa casa rustica que tantas memórias tens
    Teu sogro ainda vive ou já faleceu?
    Aceita o meu conselho,vis chorar de saudades dessa casa
    Não desistam dela
    Eu nem um talher tenho da minha avó...
    Com tantos linhos,rendas,pratas etc...nada fiquei
    Tudo desapareceu
    Restaurem essa casinha e não se deixe vencer pela má fé dos outros
    Vá em frente Coragem
    beijokas

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  5. Que casa tão bonita e objetos carregados de carga afetiva e emocional !

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