Definitivamente Maio é o mês das rosas; por onde quer que andemos vêem-se rosas de todas as cores e tamanhos; nos jardins, a espreitar por cima dos muros e até na beira da estrada.
Confesso que não sou grande fã de rosas e quanto ao perfume, à excepção de uma ou outra qualidade, a maioria não cheira practicamente a nada .
Hoje ao passar por um caminho, vi umas rosas brancas silvestres iguais às que o meu avô paterno tinha na horta dele.
De imediato e num micromilésimo de segundo, vi-me a mim e à minha irmã, a brincar na horta do meu avô.
O meu avô sempre foi uma pessoa muito reservada e de poucas palavras; embora fosse casado com a minha avó, passava a maior parte do tempo na sua horta, numa outra casinha, numa outra localidade a poucos km de distância da aldeia onde todos nós vivíamos. Isso causava-me alguma estranheza mas como eu era criança e como era uma aventura ir até à horta do avô até nem me importava ...
A casa tinha apenas duas divisões: uma cozinha, da qual só me lembro dos mosaicos em xadrez brancos e vermelhos e da alegria que sentia cada vez que a minha mãe ou a minha tia os lavavam e eles ficavam a brilhar nas suas cores vivas, que na maior parte do tempo estavam escondidas por uma patine de terra e pó; e também tinha um quarto só com uma cama onde eu, a minha irmã e o meu primo muitas vezes brincamos debaixo daqueles cobertores cinzentos.
Da casa do meu avô via-se o comboio da linha do Oeste que rasgava o monte em frente e que apitava sempre enquanto passava, parecendo saudar-nos.
Ao lado morava uma tia; tinha um papagaio (que não me lembro o nome), vacas e uma burra com uns cascos que nunca tinham sido aparados e que pareciam umas socas; tinha também um marido com um olho de vidro.
Para irmos para a horta do avô passávamos por um caminho que culminava num bebedouro onde nós e as vacas da tia bebíamos água; quase sempre , a descer ou a subir o caminho, tínhamos um encontro imediato com as vacas e como o caminho era relativamente estreito não sabíamos onde nos havíamos de meter quando elas nos apareciam pela frente.
Não havia portão para entrar na horta do avô mas sim um pequeno muro de pedra que tinhamos de saltar; logo à esquerda ficava o tal arbusto com rosas brancas silvestres; um pouco mais à frente um grande tanque cheio de água e limos que nos entretíamos a tirar com canas, a água não parava de correr por um cano que vinha do bebedouro e que por sua vez era abastecido pela água da nascente onde morava um peixinho cinzento que eu ia sempre espreitar.
A horta do avô estava dividida em três socalcos e para irmos de uns para outros tínhamos de descer ou subir uns degraus feitos de pedras que saíam do próprio muro; havia todo o tipo de árvores de fruto e legumes, lembro-me de brincar por entre o labirinto de feijoeiros que trepavam pelas canas acima e da grande nespereira que havia no fundo da horta.
O meu avô lá andava com a sua enxada de um lado para o outro sempre metido com os seus pensamentos e em silêncio, não me lembro de ele nos sorrir nem de falar connosco mas eu gostava dele assim. Lembro-me que um dia sentei-me ao pé dele enquanto ele puxava de um cigarro do seu maço às riscas vermelhas e cremes, perguntou-me se queria um ( tinha eu 6 ou 7 anos), disse-lhe que sim, acendeu-me e eu puxei o fumo, achei horrível e cuspi aquele sabor e as palhinhas que me ficaram na boca, ele riu-se e eu, escusado será dizer nunca mais toquei num cigarro ...
Um dia encontrei uma caixa de lata com a letra I gravada na tampa, pensei em guardar lá um desenho e enterrar a caixinha no socalco do meio, perto das escadas e a três passos da ameixieira ( era assim que se fazia nos filmes ).
Entretanto o meu avô morreu, a terra e a casa ficaram votadas ao abandono, enquanto se faziam as partilhas e aquelas coisas de crescidos. Só muitos anos depois é que lá voltei e foi com muita tristeza que vi a grande nespereira e tudo o resto engolida pelo mato que ao longo dos anos cresceu ávidamente pela terra; teimosamente furei caminho por entre as ervas do meu tamanho e consegui chegar ao local onde muitos anos antes tinha enterrado a caixinha de metal; três passos a contar da ameixieira que, não sei como, resistira estes anos todos sem cuidados absolutamente nenhuns; escavei com as minhas mãos, tinha a certeza que não a enterrara com muita profundidade; escavei , escavei , mais para a esquerda , mais para a direita e não a encontrei ... será que ainda hoje lá está ou alguém a descobriu antes ?
Hoje, tal como no dia em que, após a morte do meu avô, ao mexer nos bolsos do seu casaco encontrei palhinhas dos cigarros no fundo nos seus bolsos, emocionei-me ao cheirar aquelas rosas brancas que não cheiravam a nada e cheiravam a tanto.
Este texto está tão bonito...Gostei muito!
ResponderEliminarTrouxe-me a saudade do meu avô em quem tenho pensado muito esta semana. Se fosse vivo tinha feito 99 anos no dia 22. :)
Obrigada ! há dias em que as saudades dos que já partiram apertam mais ... ficam as recordações :)
Eliminarvelhos tempos...
ResponderEliminarmuita saudade de tudo o que se viveu...da infância, da alegria e inocência própria da idade.
adorei o que escreveste, fez-me viajar no tempo :)
lembro-me perfeitamente de tudo o que tão bem descreveste...
Mesmo sem fazer muito por isso o avô até acabou por nos proporcionar momentos bens felizes e especiais :)
EliminarTemos de lá voltar ;)